Sociedade voluntária

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domingo, 28 de agosto de 2016

O selvagem moderno.


É difícil, muito difícil desenlear o emaranhado de fios condutores que fazem o transporte das características que são necessárias para que se construa determinada realidade, essa vemo-la concreta e definida e regra geral  a explicação mais simples tende a não ser a mais correcta.
O tempo que vivemos é o tempo do corpo, o tempo da matéria, domínio das emoções, a revogação do raciocínio e da lógica, o homem como novo selvagem, desta vez intencional (farsa).
A tecnologia matou deus de duas fundamentais maneiras, no plano material ao garantir a produção da sobrevivência sem a necessidade de adoração divina e no plano intelectual ao afirmar que o universo é primordialmente um jogo caótico.
A filosofia complementou apresentando um caminho alternativo através de Nietzsche propondo para lugar de deus a natureza e para aliviar a angústia do homem em lugar da religião e da ideologia; o corpo.
Faz assim sentido os dias modernos de adoração do corpo, o corpo como templo da vida e de certa forma contrariando Nietzsche tornando-se uma nova religião, mas mais, como disse que todos os altos valores se desvalorizam a si próprios começamos a assistir á desvalorização do corpo no sentido mais negativo da sua expressão, a vida sem valor.
Mas esta elevação do corpo vem acompanhada de outro fenómeno também muito interessante, a primazia das emoções, do corpo emocional do homem.
O ritual de adoração do corpo é expresso sob forma emocional, o apaziguar do deus corpo é feito através de oferendas de satisfação emocional atenuando a ira até nova irascibilidade, os desejos são os sacerdotes encarregues de ditar ao individuo o que o deus corpo quer.
Mais uma vez não é difícil perceber porque o consumismo é importante nas sociedades pós-modernas.
Mas existe um problema, conforme as emoções vão tomando conta do homem este vai deixando de utilizar as suas capacidades de raciocínio, torna-se um selvagem, um selvagem moderno e é precisamente na pós-modernidade que estão criadas as condições para o surgimento do maior selvagem de toda a história, o selvagem consciente, aquele que distingue o bem do mal mas como as suas capacidades racionais estão pouco desenvolvidas a sua actuação rege-se fundamentalmente pela emoção.
O selvagem é uma construção intencional.
A construção do selvagem começa cedo, na educação, ou falta dela, formam-se profissionais para integrar a grande máquina não se formam seres humanos, é por isso que não se ensina filosofia desde cedo, a filosofia transmite-te um grau de humildade tal que não serve o sistema, dificilmente servirias a máquina de modo cego com tal quantidade de incertezas acerca da existência.
O profissional é mal formado querendo logo á partida ser a peça mais importante da máquina, ou quer ser um cristiano ou estrela pop ou estrela de televisão, é-lhe dito que qualquer um pode ser a peça mais importante da maquineta.
Depois vê-se rodeado de pessoas cujo comportamento é a adoração ao deus corpo e cujos objectivos de vida não ultrapassam a casa fantástica o carro espectacular e dinheiro, isto no mínimo pois o mais provável é perceber que a ética ao serviço destes objectivos é de caracter duvidoso-
Last but not least vem a comunicação, mais concretamente a social, toda ela ao serviço do deus corpo e da emoção, não só nos comerciais, havendo anúncios a ligar directa e inequivocamente a felicidade aos produtos e ao seu custo (dinheiro), como programas que apresentam, concursos com extraordinário enfase no prémio em dinheiro, concursos expondo massivamente os feitos de assumidos selvagens modernos fechados entre quatro paredes até á exploração emocional dos noticiários em que ridículos jornalistas se põem em cima das chamas para transmitir mais fielmente a emoção necessária ou perguntam a uma mãe que perdeu um filho como ela se sente e se vai continuar a fazer a refeição que era a favorita do defunto.
Mas como disse Nietzsche, todos os altos valores se desvalorizam a si próprios e vemos isso acontecer hoje, o corpo humano está a perder valor, paradoxalmente ou talvez não a forma de desvalorizar o corpo é eliminá-lo, hoje mata-se o corpo por qualquer razão, o corpo do outro.
Tudo ao serviço do corpo como outrora a outros serviços, tudo ao serviço das emoções, tudo ao serviço do selvagem moderno.
O selvagem moderno é uma construção intencional que faz parte de uma intenção maior.

4 comentários:

  1. Olá,

    Partilho totalmente desta visão da "paisagem humana"...

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    Respostas
    1. Olá Fénix
      o que acontecerá quando o ser humano for imune á miséria, imune no sentido de completamente habituado?

      Vou dar dois exemplos reais:

      em certa conversa dois homens trocam opinião sobre o facto de um deles se ter deparado com a oportunidade de trair a mulher, diz-lhe o outro - não deves fazer isso, tens uma relação porreira com a tua mulher, ao que ele responde - como tenho a certeza que ela não me engana?
      Ou seja, uma incerteza torna-se razão para justificar uma certeza.

      Outro:
      Anteriormente os carros tinham prioridade sobre os peões e ninguém parava, agora têm prioridade os peões e mandam-se para o meio da estrada sem olhar e por vezes até sem estar completamente na passadeira.

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    2. No meu ponto de vista, em caso de dúvida, utilizar como guia, aquela velha máxima: "Trata os outros como queres ser tratado."

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  2. Volto para partilhar:

    http://www.movimentohumanista.org/a-realidade-paisagens-e-olhares/85-a-paisagem-humana.html

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