É difícil, muito difícil desenlear o emaranhado de fios
condutores que fazem o transporte das características que são necessárias para que se construa
determinada realidade, essa vemo-la concreta e definida e regra geral a explicação mais simples tende a não ser a
mais correcta.
O tempo que vivemos é o tempo do corpo, o tempo da matéria,
domínio das emoções, a revogação do raciocínio e da lógica, o homem como novo
selvagem, desta vez intencional (farsa).A tecnologia matou deus de duas fundamentais maneiras, no plano material ao garantir a produção da sobrevivência sem a necessidade de adoração divina e no plano intelectual ao afirmar que o universo é primordialmente um jogo caótico.
A filosofia complementou apresentando um caminho alternativo através de Nietzsche propondo para lugar de deus a natureza e para aliviar a angústia do homem em lugar da religião e da ideologia; o corpo.
Faz assim sentido os dias modernos de adoração do corpo, o corpo como templo da vida e de certa forma contrariando Nietzsche tornando-se uma nova religião, mas mais, como disse que todos os altos valores se desvalorizam a si próprios começamos a assistir á desvalorização do corpo no sentido mais negativo da sua expressão, a vida sem valor.
Mas esta elevação do corpo vem acompanhada de outro fenómeno também muito interessante, a primazia das emoções, do corpo emocional do homem.
O ritual de adoração do corpo é expresso sob forma emocional, o apaziguar do deus corpo é feito através de oferendas de satisfação emocional atenuando a ira até nova irascibilidade, os desejos são os sacerdotes encarregues de ditar ao individuo o que o deus corpo quer.
Mais uma vez não é difícil perceber porque o consumismo é importante nas sociedades pós-modernas.
Mas existe um problema, conforme as emoções vão tomando conta do homem este vai deixando de utilizar as suas capacidades de raciocínio, torna-se um selvagem, um selvagem moderno e é precisamente na pós-modernidade que estão criadas as condições para o surgimento do maior selvagem de toda a história, o selvagem consciente, aquele que distingue o bem do mal mas como as suas capacidades racionais estão pouco desenvolvidas a sua actuação rege-se fundamentalmente pela emoção.
O selvagem é uma construção intencional.
A construção do selvagem começa cedo, na educação, ou falta dela, formam-se profissionais para integrar a grande máquina não se formam seres humanos, é por isso que não se ensina filosofia desde cedo, a filosofia transmite-te um grau de humildade tal que não serve o sistema, dificilmente servirias a máquina de modo cego com tal quantidade de incertezas acerca da existência.
O profissional é mal formado querendo logo á partida ser a peça mais importante da máquina, ou quer ser um cristiano ou estrela pop ou estrela de televisão, é-lhe dito que qualquer um pode ser a peça mais importante da maquineta.
Depois vê-se rodeado de pessoas cujo comportamento é a adoração ao deus corpo e cujos objectivos de vida não ultrapassam a casa fantástica o carro espectacular e dinheiro, isto no mínimo pois o mais provável é perceber que a ética ao serviço destes objectivos é de caracter duvidoso-
Last but not least vem a comunicação, mais concretamente a social, toda ela ao serviço do deus corpo e da emoção, não só nos comerciais, havendo anúncios a ligar directa e inequivocamente a felicidade aos produtos e ao seu custo (dinheiro), como programas que apresentam, concursos com extraordinário enfase no prémio em dinheiro, concursos expondo massivamente os feitos de assumidos selvagens modernos fechados entre quatro paredes até á exploração emocional dos noticiários em que ridículos jornalistas se põem em cima das chamas para transmitir mais fielmente a emoção necessária ou perguntam a uma mãe que perdeu um filho como ela se sente e se vai continuar a fazer a refeição que era a favorita do defunto.
Mas como disse Nietzsche, todos os altos valores se desvalorizam a si próprios e vemos isso acontecer hoje, o corpo humano está a perder valor, paradoxalmente ou talvez não a forma de desvalorizar o corpo é eliminá-lo, hoje mata-se o corpo por qualquer razão, o corpo do outro.
Tudo ao serviço do corpo como outrora a outros serviços, tudo ao serviço das emoções, tudo ao serviço do selvagem moderno.
O selvagem moderno é uma construção intencional que faz parte de uma intenção maior.